No meu espírito ainda faltavam alguns minutos para concluir a corrida matinal. Eis que no torpor daqueles passos arrastados sou surpreendido por uma criança de bicicleta que levanta os braços e grita vitória.
Obriguei-me a despertar e logo percebi que estava ali traçada a linha de meta, mesmo sem quaisquer marcas evidentes. Olhei em redor e compreendi que aquela criança tinha conseguido a mais extraordinária recuperação, vencendo mesmo quando tudo indicava ser impossível. Sem dúvida que aquele rapaz era um herói. Tal como eu o fora na idade dele.
Também eu tracei metas com linha invisíveis, escolhi adversários, venci os mais temíveis em recuperações desumanas. Estive nos Pirinéus e nos Alpes mesmo enquanto contornava o quarteirão da minha rua. Encadeei-me com os flashes dos fotógrafos e resisti com uma humildade desarmante a todas as perguntas dos jornalistas.
Agora não, tudo é diferente. Deixei de traçar metas porque elas não se marcam onde queremos. Hoje não escolho adversários, evito-os. Estou velho, deixei-me de heroísmos. Direi apenas que abandonei a alta competição.
O que é curioso é que nem sempre é isso que acontece com os mais crescidos. Há ainda quem faça da sua vida uma permanente competição. O problema é que o faz sem a ingenuidade e inocência do tempo de criança.
E eu, perdido nesta reflexão, aproveitei o facto de estar cansado e parei logo ali a seguir à linha de meta que a criança traçou…